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Que clima é esse?

Por Anna Flávia Moreira e Tainá Junqueira*  

Na tarde do último sábado, 21, o projeto Plante Rio foi palco da última roda de conversa intitulada “Que clima é esse?”, que discutiu o colapso ambiental iminente provocado por uma série de emergências ecológicas interligadas a questões territoriais e socioeconômicas. Com mesa formada por quatro mulheres de diferentes áreas, o encontro destacou as implicações da degradação ambiental e o impacto direto sobre as comunidades vulneráveis e buscou pensar soluções e novas narrativas para a crise climática e ambiental. 

Para iniciar o diálogo, o palhaço João Artigos, conhecido como “Cabeça de Nego”, trouxe uma metáfora sobre o efeito estufa. Ele comparou o processo ao ato de encher uma bola, ressaltando como o uso desenfreado de maquinário e tecnologia na sociedade tem sufocado o ambiente, dificultando, assim, a “respiração” tanto do planeta quanto dos seres que nele habitam. A metáfora sintetizou a gravidade da crise climática atual, com fumaças que encobrem o país, e chamou a atenção para a urgência de medidas concretas.

“Pensar no clima pra mim é pensar nas nossas relações e outras formas de existir. O clima afeta as pessoas, o clima tem a ver com afeto”, disse João para criar um clima entre as pessoas presentes. Apenas criando relações de afeto é possível falar sobre o clima. Nesse sentido, Cabeça de Nego finalizou a mística com tom de esperança “que a gente possa construir formas de viver um pouquinho melhor”.

É com esperança que Giovana Nader, atriz e comunicadora, busca falar sobre a questão climática e ambiental em seu podcast "O tempo virou", de entrevistas com ativistas ambientais, e "O Veneno mora ao lado", sobre agrotóxicos. Após se tornar mãe e perceber o futuro incerto, Giovana passou a buscar narrativas diferentes para falar sobre o clima. Para ela é preciso recuperar o amor retirado do lema da bandeira nacional. “O amor sumiu do Brasil. Nossa bandeira era amor, ordem e progresso”, relembra. A pergunta que norteia seu trabalho é como tecer um novo país.

Nessa busca, retornou ao palco para se comunicar com o público através da arte. Fruto de três anos de pesquisa, a peça "Eres Tu Brasil" conta a história do Brasil a partir de uma perspectiva climática, começando em 2500 com o futuro distópico e voltando mil anos na invasão do país.

Após a fala inicial, Maureen Santos, cientista política e representante da FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), trouxe uma provocação essencial: qual é, afinal, a diferença entre crise e emergência climática? E mais, em que momento nos encontramos? A resposta, segundo Mauren, é clara: vivemos uma crise climática, fruto de múltiplas emergências negligenciadas, em grande parte devido ao "denegacionismo" climático – uma prática sustentada pelo financiamento de soluções falaciosas, como o crédito de carbono. Como exemplos contundentes dessa negligência, ela citou as tragédias recentes em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e no Rio Grande do Sul, onde a falta de ações preventivas amplificou o impacto dos desastres.

Diante dessa realidade, torna-se essencial repensar toda a estrutura e lógica que norteia as políticas e economias e não se bastar em falsas soluções que tratam da questão climática dentro da lógica de desenvolvimento. Ela fala de um repensar também em relação com a terra, não apenas no sentido ambiental, mas também no contexto do direito à terra. Maureen destacou a urgência da demarcação das terras indígenas como um passo crucial para a justiça climática e a preservação ambiental, reconhecendo o papel histórico e protetivo que esses povos desempenham na manutenção do equilíbrio ecológico.

Nessa lógica, ela fala da importância de mobilizações coletivas e não apenas individuais que só servem para tirar a culpa e responsabilidade de cada um. Para Maureen é preciso uma mudança de massa coletiva. “O coletivo faz mudar”. Ela reforçou também o papel do voto nas eleições e a necessidade de votar em alguém que defenda a pauta ambiental como projeto multidisciplinar e não apenas em agendas isoladas. Ela falou ainda sobre a relação intrínseca entre questão ambiental e desigualdade social. Levar em consideração os impactos desiguais gerados pela crise climática é essencial para a construção de políticas específicas.

Nesse sentido, Beatriz Alvez, líder do Coletivo Martha Trindade, compartilhou sua vivência e luta em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do Rio. O meio ambiente e toda a comunidade foi impactada pela siderúrgica Ternium instalada em 2009. Desvio de rio, contaminação da Baía de Sepetiba, emissão de partículas foram algumas das ações que impactaram pescadores, agricultores, questão imobiliária e a saúde de todos os moradores que passaram a respirar as partículas emitidas na chamada chuva de prata.   

Beatriz lançou a campanha Rio capital do "caô climático" criticando a Prefeitura do Rio de Janeiro pela narrativa sustentável ao sede do G20 este ano. A campanha denuncia a Política Municipal do Clima, que busca zerar as emissões da cidade até 2050, mas não inclui as emissões feitas pela Ternium, beneficiando a siderúrgica e negando os impactos na saúde dos moradores de Santa Cruz. A mais jovem da roda conta os desafios para mobilizar os moradores em prol da campanha e uma ação de justiça ambiental. Ela fala do racismo ambiental e os impactos da siderurgia em um bairro periférico.       

Para encerrar a roda de conversa, Nitxinawã Pataxó, uma destacada liderança indígena da região de Porto Seguro, na Bahia, compartilhou sua trajetória de vida em harmonia com a natureza, à qual se sente indissociável. Ela relembrou sua infância nas matas, um período em que não havia contato com a cultura ocidental e onde podia vivenciar uma relação direta e ilimitada com a terra. Nitxinawã enfatiza que a conexão dos indígenas com a natureza é marcada por uma dependência mútua, um verdadeiro parentesco; ambos são partes de um mesmo corpo. “Enquanto houver um indígena sobre a terra, haverá uma árvore de pé”, afirma.

Atualmente, ela se empenha na luta pelos direitos de sua população e pela preservação do meio ambiente, realizando, como ela mesma descreve, um “trabalho de formigão”. Já que não são meras “formiguinhas" - como é dito popularmente -, mas agentes significativos na defesa das florestas. “Nossas matas estão se extinguindo, nossos rios estão doentes”, desabafa, com a voz embargada. Nitxinawã relata que recentemente começou a se aprofundar na teoria relacionada às questões climáticas, mas que, na prática, já dedica sua vida à preservação desde sempre.

A roda encerrou a programação de diálogos e trocas do Plante Rio, reverberando a necessidade de mobilização coletiva em ações socioambientais, pensando a população e o território de forma intrínseca à questão climática e ambiental. A construção de narrativas ecológicas que integrem o amor - retirado de nosso lema gentílico -, justiça social e ambiental é fundamental para enfrentarmos as crises que se avizinham. Somente através de uma mudança de paradigma, que valorize as vozes marginalizadas e promova o compromisso coletivo, poderemos trilhar um caminho que nos conduza a um futuro justo e sustentável.

*Da Redação Plante Rio 

Sob supervisão de Clara Lugão e Matt Vieira 

Foto: Willer José I Mundo Berriel