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Clima de festa: a programação cultural que recheou o Plante Rio

Por Anna Flávia Moreira, Isabella Mercedes e Tainá Junqueira* 

Durante os dias de Plante Rio na Fundição Progresso, apresentações de música, teatro e outras expressões artísticas se fizeram presentes na programação do evento para, não apenas discutir sobre o clima, mas propor um espaço lúdico de imaginação de um futuro possível.

Para Denise Amador, uma das idealizadoras do evento, a arte é fundamental. Já o multiartista Rona, responsável pela oficina de manto para coortejo e contação de histórias, afirma que a arte tem o poder do encontro: “Eu acho que eu procuro trazer uma arte que estabeleça diálogos. Com isso, é possível envolver mais pessoas a pensarem em um trabalho coletivo de criação e possibilidades. É sobre fazer, sobre realizar. Acho que a vontade transformadora, é o que nos une, que nos motiva e que nos torna também coletivo”, acredita. Rona é do Morro dos Pretos Forros, Zona Norte do Rio de Janeiro, e artista autodidata que trabalha com diversas linguagens: pintura, texto, teatro, música. Ele tem projetos com crianças e jovens. “A minha contribuição enquanto artista é escrever, performar, esculpir, desenhar, pintar, sobre questões que me atravessam, que eu quero falar, que eu quero trazer para as discussões, através da minha criatividade, através da arte, através da possibilidade”, compartilha.

O sábado começou com uma cerimônia de abertura na entrada da Fundição Progresso. Aldeia Vertical, Aluandê Capoeria Angola, Yá Wanda e Pai Claudio de Ayráse uniram para performar o festejo. Cantoria, batuques, falas de lideranças e responsáveis pelo Plante Rio embalaram e inspiraram para o início das atividades do evento. [mais infos sobre a abertura].

O público infantil teve a oportunidade de se encantar com o espetáculo “Dando Ouvidos”, apresentado por Angélica Gomes, fundadora do renomado Teatro de Anônimo e professora de circo para crianças. Neste espetáculo lúdico e interativo, Angélica convida os pequenos a integrarem a performance, mergulhando na experiência de "ser semente". A personagem central, interpretada pela artista, conduz os pequenos por uma jornada simbólica de crescimento e transformação, aludindo ao processo de germinação. Ao longo da narrativa, temas como o ciclo da vida, a biodiversidade, os sonhos e a importância do meio ambiente são apresentados de maneira acessível e instigante, levando as crianças a refletirem sobre a conexão entre natureza e vida humana. 

No meio do dia, quem transitava pela Fundição pôde assistir a apresentação do grupo Boi de Luz, de Lumiar, que resgatam e festejam expressões da cultura popular. O grupo encenou a lenda do Boi Bumbá, tradicional do nordeste, com figurinos, o próprio boi, música e participação das crianças. Em seguida, a Academia Juvenil da Petrobras Sinfônica realizou um ensaio aberto com músicas populares brasileiras arranjadas para a orquestra contagiando quem estava presente.

Complementando a programação infantil, a oficina "A Cobra na Bacia", organizada pela Intrépida Trupe, ofereceu uma vivência circense inédita para muitas das crianças participantes. A maioria delas, de diferentes idades, nunca havia experimentado atividades ligadas ao circo. Durante a oficina, as crianças tiveram a oportunidade de explorar exercícios focados no desenvolvimento da coordenação motora, mobilidade e flexibilidade – habilidades essenciais no universo circense. Antes de mergulharem nas atividades práticas, os instrutores realizaram uma introdução conectando os valores do Plante Rio com a oficina, destacando a importância da preservação ambiental, de hábitos alimentares saudáveis e do contato direto com a natureza, promovendo uma consciência ecológica desde cedo.

O dia, repleto de muita arte, movimento e cultura, também contou com um momento de contação de história. O artista Rona interpretou o seu conto “O velho da cajazeira”. A narrativa gira em torno de um senhor que, diariamente, cuidava com devoção de uma cajazeira aparentemente sem vida, uma árvore seca e maltratada pelo tempo. Mesmo diante da evidente decadência da árvore, ele mantinha o ritual de colher seus frutos inexistentes e proteger a planta, bradando com firmeza: "Saiam do meu quintal, saiam do meu quintal!", sempre que alguém ameaçava se aproximar da árvore. Para os olhos de todos ao redor, a árvore estava condenada, mas o velho persistia. Até que, certo dia, uma menina corajosa e cheia de amor pela natureza se aproximou da cajazeira. Com sua delicadeza e admiração genuína, ela trouxe vida não apenas à árvore, mas a todo o ambiente ao seu redor. O que antes parecia estéril e sem esperança, floresceu novamente sob o poder do afeto e da atenção cuidadosa.

A história, uma bela metáfora sobre a capacidade transformadora do amor e do cuidado, ilustrou como, mesmo nas situações mais difíceis, é possível promover renascimento e regeneração, tanto na natureza quanto nas relações humanas. Após a contação de histórias, Rona se juntou a um vibrante cortejo, em parceria com o projeto Kekerê Infâncias. O cortejo trouxe à tona a energia e a alegria, típicas das ações promovidas pelo Kekerê, que tem como objetivo principal a promoção de atividades antirracistas e conexão com a ancestralidade. Com foco no lúdico, o projeto envolve crianças, responsáveis e educadores, criando um espaço de diálogo e reflexão sobre igualdade e inclusão, sempre de forma interativa e divertida.

Para animar a noite e abrir o show do último dia de Plante Rio, os artistas do #EstudeoFunk, programa de aceleração da Fundição Progresso para artistas de funk, apresentou as 5 músicas do EP Meio Ambiente, produzidas em 2023. Unindo funk e meio ambiente, 5 artistas trazem em suas letras uma proposta diferente e pioneira que busca conscientizar através da linguagem musical das comunidades cariocas. “A gente ouve nas músicas, no funk, no trap e tal, falar sobre violência policial, etc. Mas a gente não fala do meio ambiente. Então, essa é a nossa ideia, trazer falas que não são ditas normalmente, pra gente se conscientizar”, explica a cantora Letinzz, baiana de 26 anos. 

Em confluência com a proposta do Plante Rio, o projeto do #EstudeoFunk uniu a arte e cultura com discussões sobre o meio ambiente para levar a mensagem ainda mais longe. “Trazer esse debate pra dentro do funk é traduzir esses temas pras periferias do Rio de Janeiro”, acredita Duhpovo, artista do projeto, que conta que o funk é como a voz das comunidades e pode ser a porta de entrada para levar o tema do racismo ambiental e crise climática para as periferias, onde geralmente não chega esse debate. Como explica Kamy Mona, também artista do #EOF e moradora da Maré: “Sempre fui consciente diante da minha realidade, do que eu tinha de oportunidade pra aprender sobre o tema, mas nunca ouvi falar na escola sobre reciclar, dividir lixo”. Ela conta que políticas de conscientização, saneamento e meio ambiente não chegam nas comunidades. 

Dessa forma, os artistas falam sobre o mesmo tema a partir de seus territórios, das periferias, que na crise climática são as mais afetadas. “O que eu falo na minha música é sobre eu morar na favela, é sobre não ser um lugar arborizado, não ter qualidade de vida, é sobre a gente ser cercado de vias, sabe?”, desabafa Kamy Mona. Também foi a experiência pessoal que inspirou Duhpovo a escrever sua canção. “Na minha música eu falo sobre as mães que choram quando começa a chover. Quando começa a chover, quem é que chora porque tem medo da casa alagar?”, reflete, acreditando que essa é a função da sua música: “o funk, ele é sobrevivência e sobre vivência”.

Da mesma forma, fazem uma ressiginificação do debate ambiental e do funk. De um lado leva-se a pauta climática para as periferias, a partir de seus territórios. “Não há algo mais importante hoje, pra mim, que sou uma pessoa de periferia, do que pegar pautas que as pessoas acham que a galera favelada não vai entender e traduzir isso pra minha galera, porque eu estou levando informação”, conta Duhpovo. E por outro lado quebra preconceitos acerca do funk e da cultura das periferias. Como disse Duhpovo antes de começar sua apresentação: “O funk não é só putaria, não é só ostentação, funk é transformação social”. 

Para fechar a noite de sábado e o Plante Rio, logo após a setlist de DJ Egil, a banda Afrojazz trouxe ao palco uma sonoridade que capturou a essência do evento: diversidade, criatividade e conexão. O grupo reúne diversas influências, sejam elas do jazz com trompete e sax, como nos tradicionais combos, ou da guitarra elétrica do rock e do afrobeat, da cultura hip-hop representados com o DJ, passando pela percussão e bateria que trazem os toques ancestrais dos tambores.Cada acorde contribuía para a construção de uma atmosfera que transcendeu o simples entretenimento, tornando-se um momento de união e celebração do poder transformador da arte e da sustentabilidade. Ao encerrar o projeto, a banda consolidou o projeto como um espaço de reflexão crítica e ação, onde cultura e meio ambiente se entrelaçam de forma orgânica.

A harmonia entre arte, cultura e ecologia foi a chave para enfrentar os desafios contemporâneos, oferecendo ao público um respiro de esperança e reflexão. Através de cada performance, ficou evidente como a arte pode não apenas entreter, mas também engajar coletivamente, criando novas perspectivas sobre o futuro ambiental e social. Assim, o Plante Rio reafirma a importância de iniciativas através de sua programação cultural como catalisadoras de transformação e diálogo frente às questões urgentes climáticas.

*Da Redação Plante Rio

Sob supervisão de Clara Lugão e Matt Vieira 

Foto: Willer José I Mundo Berriel